Tempestade de ideias

Lia Ernst Hans Gombrich. Encantado com Leonardo da Vinci, ao anoitecer de uma tarde amazônica. Absorto. Os olhos em “Estudos anatômicos”, laringe e perna, de 1510. Quanta perfeição! Pura arte e anatomia nunca vistas. A última ceia. Mona Lisa. Os olhos deslizam das páginas. À esquerda. Clarões, nuvens, luzes. Sinalizadores do pássaro de aço que da Vinci idealizara. Os olhos voltam-se para as páginas. Mona Lisa. Uma força me impele a erguer os olhos. Duas mãos estendidas por sobre a poltrona 10A chegam a me assustar. O sinal da presença humana tirou-me dos momentos de transe total nos quais vivia cada detalhe de Gombrich sobre da Vinci. A respiração oscilou o ritmo. Um rosto de menina surge entre aquelas mãos, na altura dos cotovelos, lança-me um sorriso terno, infantil e diz; “Tio, porque o senhor deixa aquilo aberto?” e dirige o braço direito para a janela da poltrona 11A na qual eu estava sentado. “É para olhar a nuvens e curtir essa sensação de liberdade”. Sorri. Ela sorriu. “Tomei um susto com as suas mãos”. Ela abriu ainda mais o sorriso. CONTINUA!

sábado, 25 de setembro de 2010

O preconceituoso (Final)

- Logo estarei com o meu Deus. Ele não me castigará. Tenho certeza de que ele também detesta negros.
À medida que falava, a respiração do Dr. Branco rareava. Antes do último suspiro, ele ainda teve forças para dizer:
- O... o... o... odeio negros.
Como bom cristão, comecei a orar para a alma daquele desgraçado. De repente, tive uma visão do caminho percorrido pela alma do Dr. Branco. Ela vagueia, vagueia e sobe lentamente. À sua frente, uma porta imensa ostenta a placa “CÉU”. Dr. Branco (digo, sua alma) nem pestaneja.
- Abram, quero entrar, deixei aquela vida. Aquela terra de pretos. Agora só quero viver para o meu Deus.
Num piscar de olhos, a porta se abre. Na frente do Dr. Branco aparece um ser negro, cuja estatura não dá para se imaginar.
- Que fazes aqui?
A voz e a forma autoritária com que o negro falou, não deixou dúvidas em Dr. Branco: tratava-se do porteiro do céu.
- Afasta-te de mim, preto sujo. Quero falar com o meu Deus.
- Pois bem, eu sou o teu Deus.
- Cruz credo, figa, pé-de-pato. Bati na porta errada. Isso não é o céu. Fui enganado. Botaram aquela placa ali para me confundir. Eu que passei a vida inteira odiando os negros, chego no céu e meu Deus também é um deles.
Dr. Branco saiu em disparada, sem saber para aonde ir. Deve estar vagando até hoje, à procura do seu Deus branco.
Não consegui conter o riso. Saí do hospital com a cara mais feliz do mundo. Os enfermeiros, que me viram iniciar as orações, não entendiam nada. Como eu poderia estar com aquela cara de felicidade, se há poucos minutos, um homem tinha morrido conversando comigo?

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