Tempestade de ideias

Lia Ernst Hans Gombrich. Encantado com Leonardo da Vinci, ao anoitecer de uma tarde amazônica. Absorto. Os olhos em “Estudos anatômicos”, laringe e perna, de 1510. Quanta perfeição! Pura arte e anatomia nunca vistas. A última ceia. Mona Lisa. Os olhos deslizam das páginas. À esquerda. Clarões, nuvens, luzes. Sinalizadores do pássaro de aço que da Vinci idealizara. Os olhos voltam-se para as páginas. Mona Lisa. Uma força me impele a erguer os olhos. Duas mãos estendidas por sobre a poltrona 10A chegam a me assustar. O sinal da presença humana tirou-me dos momentos de transe total nos quais vivia cada detalhe de Gombrich sobre da Vinci. A respiração oscilou o ritmo. Um rosto de menina surge entre aquelas mãos, na altura dos cotovelos, lança-me um sorriso terno, infantil e diz; “Tio, porque o senhor deixa aquilo aberto?” e dirige o braço direito para a janela da poltrona 11A na qual eu estava sentado. “É para olhar a nuvens e curtir essa sensação de liberdade”. Sorri. Ela sorriu. “Tomei um susto com as suas mãos”. Ela abriu ainda mais o sorriso. CONTINUA!

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Relato


Tudo o que faço a ti relato
Mas nem tudo o que relato é o que faço
Conto histórias até de duendes
Para justificar beijos e abraços.
Conto sempre verdades inteiras
Precedidas de algumas meias
E dessa teia de contos e cantos
Faço do pranto o meu acalanto.
Há ditos que me fazem ir às lágrimas
Outros tão incríveis que fazem sorrir
Deixam a vida menos trágica
Nesse eterno ir e devir.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Todo


Olho para o teu corpo
Não vejo só as curvas
Nem mesmo as esquinas
Ou aquele gosto de uvas.
Há também desenho de vulvas
Até mesmo algumas rusgas
Quando dobras os joelhos
E demonstras os desejos
De me tocar e possuir.
A soma de nós é o todo
De partes quase desiguais
Corpos se grudam de novo
Ates de tudo somos animais.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Conceitos


Eles me aparecem todos os dias
Em signos, sonos e delírios
Indicam o que sou e o que quero
Escondem o que vejo e o que viram.
Rimo em prosa, poema ou poesia
Pessoas dizem que é heresia
O que escrevo ao longo da semana
Ou o que produzo em um dia.
Sou vítima do que é pré
Inclusive estabelecido
Tela mental de quem esconde
O que está perto ou longe.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Aparências


Tá vendo aquele senhor!
Cabelos brancos, quase um doutor.
É lobo em pele de cordeiro
Vive pela força do dinheiro.
É um assassino de esperanças
Tarado por qualquer criança
O que faz parece não ter nexo
Guia-se pela força do sexo.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Impedido


Declaro-me impedido
De ter sentimento desmedido
Por alguém que não quer
Amar e ter respeito sequer.
Por alguém que a ti dedica
Até luvas de pelica
Para acariciar sentidos
E explodir em gemidos.
A cada vez que te vejo
A vida vira um ensejo
Impeço a mim mesmo, porém
De me deixar ir mais além.

domingo, 25 de novembro de 2012

Abraço


Estar em teus braços naquele abraço
Parece sonho de uma madrugada qualquer
Sentir o teu cheiro a tomar minhas entranhas
Colar nesse corpo doce de mulher.
Deixar que o tempo corra e que eu morra
Menos um segundo a cada minuto
Que eu tiver a te sentir em mim
Como se a vida fosse a ti um tributo.
Teu cheiro forte de mim toma posse
Teu olhar profundo invade até a alma
Tê-las nos braços enlouquece o espírito
Enobrece o corpo e me acalma.

sábado, 24 de novembro de 2012

Marcas


Há pessoas que marcam nossa vida
Como se usassem um ferrete
É como se assim dissessem:
Eis a marca dourada da dona.
Pode até parecer cafona
Como mulher que usa colete do dono
Mas é assim que funciona
Quando alguém marca pra sempre tua vida.
A minha por ti foi marcada
Para o todo, o sempre e até o além
Tenha eu o amor de todas
Ou até termine sem ninguém.
O amor a ti não é de pegação
Nem puro desejo de ficar
E sim de olhar teu corpo-escultura
E viver a te admirar.
Como uma obra de arte, uma deusa grega
Desenhada pela criação
Marcas das chegadas e partidas
Esculpidas no coração.


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Amorosidade


Amorosidade não é amor sem idade
Ou com idade avançada.
É ser fiel aos amigos
Nem tanto às amadas
E nem aos amados também.
É distribuir afetos
Aos seres vivos
Até insetos.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Nossa água


Para não dizer que não falei de água
Nosso vinho perdeu a cor
Desbotou ao longo de pouquíssimo tempo
E como um milagre se transformou.
Em algo frio, inodoro e incolor.
Admirável encontro de energias
Que se cruzam todos os dias
Mas praticam a assepsia
De a água sorver por necessidade.
Vinho é prazer, alegria, amorosidade
E só se partilha na intimidade
Brindemos com água essa relação
Nossa profissional e bela amizade.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Desencontros


Despedidas e desencontros
Parecem ser a marca da vida
Quanto mais queremos alguém
Mas ela se transforma em fugidia.
Aparece como um raio
A iluminar o desejo
A provocar sonho e vontade
De ter aquele beijo.
Que até hoje ainda não trocamos
Embora desejemos todos os dias
Ainda não vencemos a paralisia
De a nós revelarmos o quanto amamos.
Um ao outro a cada instante
Com um amor inconstante
Feito de atrasos e lembranças
Que às vezes ficam como herança.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Pele


É coisa de pele o que nos une
Mas a cor da pela não define
Nem a classe nem o gostar
Muito menos o jeito de amar.
É preciso ter consciência
Inclusive da descendência
Para respeitar as diferenças
E não valorizar aparências.
Pele é sexo, tesão e vontade
Não é marca de dignidade
Não se deve definir pela cor
Quaisquer gestos de amor.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Passados


Cada dia que se foi é um passado
Cada hora minuto ou segundo
É como se de passados fosse a vida vivida
Em torno desse nosso vasto e infinito mundo.
Quando um deles volta é como tragédia
A perturbar a mediana e a média
Da tranquila vida que levamos
Quando em nada mudamos.
Pouco queremos saber do presente
Ao vivê-los misturamos com o futuro
Logo esse que só a Deus pertence
E a nós resta apenas tatear no escuro.

domingo, 18 de novembro de 2012

Esconderijo


Teu corpo é um manto quase sagrado
Rota de fuga das minhas rotinas
Descanso de todos os problemas diários
Pausa dos olhos, repouso das retinas.
Proteção divina para os sofrimentos
Desejo incontido dos melhores intentos
Paz do meu sorriso, bela homilia
Doce encantamento, dia após dia.
Gesto protetor é te enlaçar nos braços
Esquecer de tudo ligado ao cansaço
Ser domado como potro em solto pasto
Adormecer sem medo nesse teu abraço.

sábado, 17 de novembro de 2012

Tira-gosto


Não quero estar na tua vida
Como simples aparição
Ou para ser seu tira-gosto
Quando brigas com o maridão.
Ser o amigo de todas as horas
Dar-te apoio e carinho
Até quando trocas insultos
Com a mulher do vizinho.
Não sou pedaço de limão
Com pitadinhas de sal
Que te faz salivar com gosto
Ao tomar uma Skol.
Não tentes fazer comigo
O que não queres que faça contigo
Olhar por cima dos olhos
E ver a ponta do umbigo.
Ficar só nos beijos de língua
E nas pegadas pelo corpo
É como querer nascer
E morrer por um aborto.
Ou serei prato-principal
Que te alimenta dia-a-dia
Ou saio agora da tua vida
E não deixo nem bom-dia

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Ciclo vital


Saí da minha mãe
Mas nem dela sou
Não sei de onde venho
Nem para aonde vou.
Um óvulo e um esperma
Encontraram-se ao acaso
E desse encontro improvável
Lá eu virei feto.
Há 49 anos
Após nove meses de espera
Botei a cara no mundo
Virei habitante da Terra.
Para ela voltarei
Corpo inerte em um caixão
Ou transformado em cinzas
Num rito de cremação.
Ano que vem chego aos 50
É pouco provável que aos 90
Dizem que a vida só começa
Depois que se completa 40.
Se é verdade estou com 9
Posso chegar aos 19
E nem passar dos 80
Milagre chegar aos 90.
Morre-se a cada segundo
Logo após o nascimento
Cumpro meu ciclo vital
Vivo cada momento.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Círculos


Dou passos em círculos como se a vida
Girasse em torno de um mesmo contorno
E a morte fosse meras anamnesis
Fragmentos cósmicos de autopoiesis.
Efeitos de energias dissipadas
Que às vezes se encontram até na calçada
Outras em infinitos blocos de fogo estelares
Arroubos de tudo em direção ao nada.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Nosso vinho


Sinto como se você fosse
Parte da minha vida
Desde o primeiro dia
Que cruzamos os olhares.
É como se em nossas veias
Um DNA nos unisse
Uma força nos empurasse
Ao encontro um do outro.
Vidas passadas voltaram
Cruzaram-se naquele olhar
E do Fun, Fun até agora
Só aprendi a te amar.
Talvez seja vinho antigo
Tirado da mesma uva
Circule em nosso sangue
Cada vez que meu olhar o teu cruza.
Tim, tim para brindar esse encontro
De energias dissipadas
Que como os vinhos, com o tempo
Seja mais e mais consolidada.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Ofício de poeta


Como artista, não me importo
Se teóricos me vão bater à porta
E classificar o que faço.
Uns dirão que é jogo-de-palavras
Outros por inveja ou raiva
Afirmarão que não sou nada.
Nem poeta, nem contista
No máximo um arrivista
A brincar com as palavras.
A jogá-las de um lado para o outro
E contemplar, impávido, absorto
O que interpretarás ao lê-las.
Exerço o meu ofício
Quase transformado em vício
De poetar todos os dias.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Distração


Distraído
Nem percebo que te aproximas.
E minas minhas forças.
Tento resistir
Não ceder aos teus encantos.
Esquecer tantos prantos
Que por ti cheguei a derramar.

domingo, 11 de novembro de 2012

Partidas


Somos partidas
Idas e voltas
Nada me revolta
Se contigo estou.
Faço comentários
Bolo relicários
Se não tenho a ti.
Minha vida é nada
Sou alma penada
Nas idas e vindas
Desse nosso amor.

sábado, 10 de novembro de 2012

Ondas


A vida afasta, aproxima
Apresenta desafios
Anos a fio
Tentamos entendê-la.
Misteriosa luz
Mais improvável que a própria probabilidade
Princípios de Darwin ou Lamarck?
Cósmicas ondas a provocar encontros e desencontros
Série de seres a vagar
Em vãos, frestas e janelas
Carros, ônibus, cataventos
A guiar o voo dos pássaros
De aço: fachos de luz.
Cortam os ares
Mundo afora.
Estilhaçam o tempo
Encurtam as horas.
Caminhos que levam a ti me afastam
Depois se cruzam
Num entrecortar de vozes
Ondas sonoras
Das cordas vocais
De quem nunca mais
Pôde ouvir ou dizer “eu te amo”.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Gravidez


Você me engravida a cada encontro
Conversa, conto, poema, prosa
Faz minha mente delirar em sonhos
Em cada frase que componho.
Se fizer prosa, gero fantasias
Em nove meses, horas ou dias
Crio histórias, tomo tua mente
Até nas tolices que ao me ler, inventes.
Troco as palavras de um lado pro outro
Então você viaja montada em um potro.
Vence, horizontes, montes, pradarias
Deixa-se levar na sutil fantasia
De ler um texto em cada contexto
E de um poema fazer poesia.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Pés


És
Profissão de fé
Oração de féis
Na cerimônia
Do lava-pés.
Curvo-me aos teus
Como um Zeus
A querer ser Deus
Teu, jogado
De joelhos
Agachado
Curvado
Entregue
Languidamente bêbado
Embevecido
Encantado,
Pela beleza dos dedos
Das unhas, das curvas
Dos detalhes, do pelo
Elo
Entre mim e você
Todos
Nós
Os nós
Dos pés.
Opostos
Docemente a descansar
Um sobre o outro
Absortos
Depois do ápice.
Do gozo.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Significantes


Insisto
Brinco com as palavras
Incito
Crio significados
Longe dos teus significantes.
Desperto sonhos, fantasias
Faço poemas, chamam poesias
Neles te desenho
Em cada palavra
Ou na junção delas.
Lado a lado: soltas
Giram pelo mundo
A despertar sonhos
Ao virar poemas.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Cumplicidade


Jogo palavras de um lado para o outro
De uma página em branco
Ponho um ponto e uma vírgula
Uso o nada nos cantos.
Letras para lá e para cá
Bailam na tua frente
Provocam uma revolução
No íntimo da tua mente.
Sou transformado em gênio
Quando nada tenho a dizer
Ao leres o que escrevo
O gênio da criação e você.
Que toma cada besteira que digo
Soma ao nada e a tudo dá sentido
Nesse jogo da leitura
Meu eu se completa contigo.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Isolamento


Vivo isolado do mundo
Sem documento nem lenço
Não tenho com que dividir as angústias
Resta-me zanzar pela Augusta.
Passo à pé pela Paulista
Em direção ao Paraíso
Desemboca na Sena Madureira
Nem sei mais onde vivo.
Volto rumo à Rebouças
Desço a Consolação
No Hospital das Clínicas
Desfaço minha compulsão.
Chego à marginal sou visto como se o fosse
E é nesse foco moral que me isolo mais
Sou visto como bicho jogado no lixo
Espécie nociva entre os animais.

domingo, 4 de novembro de 2012

Fogo


Tem fogo esse gosto de desejo
Aperta o peito, rasga o coração
Amolece o corpo, deixa-me roto
Morto de vontade, apego e tesão.
Vaza pelos poros, afeta os pelos
Tira-me do sério o gosto de vê-la
Quero-te estrela em constelação
Aos teus pés curvar-me em oração.
O sangue acelera quando te espera
Ferve em plena veia, esquenta a pele
Turbilhão de raios, quase temporal
Vidas dissipadas nesse vendaval.